quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A propósito da conferência de Arjun Appadurai

Podemos viver sem o outro?
Como (con)vivemos com o outro?
Quem é o outro?

Esta é a proposta de exercício a partir da conferência de Arjun Appadurai para a qual vos convidamos a participar aqui. Eventualmente, poderão sugerir e seguir outras pistas de comentário ou outros trilhos analíticos. Deixamos também o convite para a leitura da conferencia de Homi Bhabha publicada no livro A urgência da Teoria a propósito da noção de tradução e de cosmopolitismo vernacular.

3 comentários:

Filipe M. Reis disse...

Síntese da Conferência enviada por Joana Santos:

Conferência Gulbenkian
Podemos viver sem o Outro?
As Possibilidades e os Limites da Interculturalidade

Dia 27 de Outubro de 2008, conferência de abertura com Arjun Appadurai, inserida no âmbito do Programa Gulbenkian Distância e Proximidade, que decorreu durante todo o ano de 2008, em que se pretende fazer uma reflexão sobre as possibilidades e os limites da Interculturalidade. Vivendo e coabitando um mundo cada vez mais complexo, marcado por fluxos diversificados, em que coexistem espaços e dimensões temporais contraditórios e díspares entre si. O programa tem como objectivo explicitar e sobretudo assumir uma postura reflexiva sobre a realidade, assim como os diversos modos de a viver.
No Ocidente, ouvimos numa base diária, a expressão globalização, assunto aliás presente em qualquer programa televisivo, jornal, conversa de café. É deveras um termo apropriado pela pós-modernidade, que contém em si encontros e desencontros de dimensões que envolvem processos de negociação, bem como de esclarecimento, em que se evidencia a diferença entre valores, crenças e práticas. Impõe-se o debate sobre o que somos e o que são os outros. Num mundo marcado pela autoridade e pela liberdade, pelos conflitos e pela apologia de paz, assiste-se à defesa de direitos humanos básicos e à sua sistemática violação, políticas liberalizantes de capitais e simultaneamente movimentos migratórios de pessoas, o agudizar das desigualdades sociais, a proliferação de informação, ainda que, com diferentes níveis de acessibilidade e usos da mesma. O «Outro» surge, não existe por si mesmo, irrompe pela nossa vida, está presente nas nossas interacções quotidianas, está patente e inculcado em expectativas construídas e na nossa imaginação (colectiva). Objectivos e práticas, não são estanques e imutáveis, não existe uma redoma que nos torna imunes às influências e à comunicação entre vários mundos. A identidade, a etnicidade, são construídas e (re)negociadas sempre em relação ao «outro», e nesta medida o «outro» é parte de nós mesmos, é através do outro que prosseguimos na construção das nossas sociabilidades.
Assim, a questão impõe-se, como é que esta relação de proximidade e distância é regulada, coexiste, convive? Certo que a negociação envolve confronto e portanto, de forma nenhuma nos encontramos no âmbito de dimensões pacíficas e consensuais. Estamos pelo contrário, perante temas que não raras vezes, assumem um carácter agressivo e que podem acarretar consequências para além do compreensível.
O Professor Arjun Appadurai, apresentou uma comunicação, breve, ainda que incisiva sobre as proximidades e as distâncias que marcam a era em que as nossas vidas decorrem, não menosprezando as dimensões e pressões a que a construção do imaginário (colectivo) está sujeito, assim como a construção das relações de interacção veiculadas a uma realidade híbrida e no marasmo de informação que contém em si sentidos contraditórios. Nós existimos, assim como o outro também existe. Como potenciar uma relação em que as diferenças não constituam um entrave à comunicação mas cultivem efectivamente um mundo que se deseja equitativo? Enunciou domínios que perpassam a dimensão macro (referindo-se ao diálogo entre culturas, ou “High level Dialogues”) ao micro (relativo ao cidadão, a movimentos cívicos, ao indivíduo, ao qual se socorreu da expressão “cosmopolitism from below”). A reflexão sobre o fenómeno dialogante numa escala micro-sociológica, se assim entendermos, é decorrente do trabalho desenvolvido por A. Appadurai em Bombaim, no âmbito de programas/projectos ligados à habitação e ao saneamento.
Numa realidade marcada pela proliferação de imagens e informação, em que os meios de comunicação social desempenham um papel fundamental, e que cada indivíduo é simultaneamente receptor e produtor de localidade, identidade e imaginários, a realidade traduz-se por um hibridismo, no qual convergem fluxos diferenciados, que se estendem desde o fluxo de pessoas, de tecnologias, capitais e à proliferação de imagens. Poder-se-á neste contexto, referir também a produção da ideologia, e/ou melhor, de princípios ideológicos, dos quais a esperança faz parte integrante. Deste modo, e intimamente relacionada com esta expectativa humana, estão subjacentes a implementação de políticas que abarcam e assumem uma dimensão transnacional. Ora, qualquer implementação política envolve diálogo e por sua vez, qualquer diálogo pressupõe riscos, entre indivíduos, grupos de interesses, culturas, nações etc. O Professor Arjun Appadurai salienta três riscos, que estão envolvidos em qualquer processo dialogante:
O primeiro risco prende-se com o que ele denominou “Risk of Misunderstanding”, ou seja o risco da incompreensão, em que a intersubjectividade dos interlocutores envolvidos no processo assume um papel preponderante na comunicação e na assunção de determinados posicionamentos, que por vezes têm carácter, inconciliável.
O segundo risco envolvido num processo de diálogo, está relacionado com a criação de uma plataforma de consensualidade, em que o desejável será, porventura que, as partes envolvidas se façam entender de forma clara. Isto é, sem que o diálogo seja prejudicado, devido a uma deslocação para convicções profundas que tornem o diálogo algo impossível de ser bem sucedido. Neste contexto é imperativo a existência de “acordos consensuais” e/ou se assim entendermos, “Limited Agreements”. Total compreensão é deveras difícil, se tivermos em conta que é marcado por factores históricos, e que o processo de negociação e a criação de uma plataforma consensual pode implicar que uma das partes envolvidas perca as suas “diferenças”.
Por fim, o terceiro risco envolvido no diálogo, correlaciona-se com as diferenças existentes entre as partes envolvidas, no «processo negocial», ou seja, em que se desmascaram as diferenças internas (“Internal Differences”). Estas diferenças são exacerbadas pelo movimento de migrantes, com os mass media (entendidos como difusores e portadores de mensagens e imagens) em que se constroem, entre outras coisas, ideologias de democracia participativa e onde se encontram questões que se ligam à liberdade de expressão. Deste modo movimentamo-nos num mundo, onde embora subsistam dimensões que pouco fazem pela dignidade humana, simultaneamente nos deparamos com a defesa de direitos humanos e somos alertados para situações em que esses direitos são violados. É a construção, citando o Arjun Appadurai do “Global Awareness”. Inevitavelmente se apresenta um desafio que abarca quer as nações (remetendo para um nível macro de diálogo) quer os indivíduos no seu quotidiano: Não existe negociação com o outro, sem que haja uma negociação com nós mesmos. É neste sentido que é necessário um debate interno, possibilitando um ponto de equilíbrio entre incompreensão, e/ou diálogos superficiais, que em nada conduzem a evoluções no sentido positivo, e um diálogo verdadeiro, real, que tenha como propósito uma sociedade equitativa.
Mais um dilema: como encontrar este ponto de equilíbrio, que possibilita um verdadeiro diálogo entre nações, culturas e por fim indivíduos? Certamente que soluções imediatas não existem. Subsiste neste contexto uma teia complexa de debates internos que têm consequências ao nível de debates e negociações externas. Isto está patente quer ao nível dos sujeitos (obrigação comunitária), quer ao nível ético do ponto de vista da violência e da não-violência (recorrendo ao exemplo referido pelo Arjun Appadurai, das tensões existentes entre Hindus «pacifistas» e hindus nacionalistas, e neste contexto a discussão em torno da energia nuclear, que por sua vez levanta questões de âmbito internacional e externo, no que concerne ao diálogo e à negociação). Poderíamos ainda referir as implicações presentes na relação entre Igreja (Religião) e Estado, como uma arena em que debates internos, não raras vezes, se traduzem em debates externos e assumem proporções internacionais. Outros domínios onde a ligação entre debates internos têm repercussões ao nível de debates externos são o exemplo dos modelos de Seguranças Social, Migrações (políticas e estratégias desenvolvidas neste contexto), Políticas Energéticas etc. A capacidade de diálogo e comunicação reside portanto numa estratégia que se relaciona com a prudência e a selectividade, em que não existem soluções finais, mas antes soluções provisionais (que consigam integrar em si as dimensões contingênciais e históricas envolvidas na negociação identitária e os objectivos claramente definidos por cada uma das partes envolvidas). No seio dos debates internos, não raras vezes, o diálogo é conduzido de forma superficial, em que se evita determinadas assuntos ou pelo contrário se implanta a tendência a exacerbá-los. Agudizando desta forma os riscos que o diálogo envolve.
Soluções milagrosas não existem, contudo A. Appadurai salienta que a procura de pontos de equilíbrio para um diálogo verdadeiramente construtivo deverá incidir sobre o quotidiano e a interacção que aí se estabelece, assim como na mobilização de políticas, isto, numa vertente mais activista, interventiva, e de reivindicação. Ou seja, deverá partir da noção de “Cosmopolitism from below”, que em si contém duas dimensões importantes. Por um lado, a busca da universalidade, a perspectiva de encarnar e ser efectivamente um cidadão do mundo, dando-se um alargamento dos horizontes (espácio-temporais, auto-identificação etc.) e por outro lado, o activismo e a mobilização de políticas. Dá-se através desta mobilização uma cooperação entre indivíduos, em que a troca e reciprocidade estão subjacentes. É algo imbuído de ética, dignidade humana e Direitos Humanos. É de mencionar necessidade de sobrevivência (em que nos podemos reportar por exemplo aos migrantes, quer transnacionais, quer internos. Tomando como exemplo Bombaim ou porque não, Nova Iorque, megacidades em que se encruzilham várias práticas, crenças, valores e dialectos). A existência da pressão constante do presente, impele os indivíduos à negociação, não raras vezes em mais do que uma língua e cultura simultaneamente, em que a necessidade de dialogar com sectores administrativos e regulação (policiamento, legalizações, pedidos de residência etc.) está também patente. Poder-se-ia denominar esta capacidade comunicacional apenas de adaptação, contudo esta envolve um grau de cosmopolitismo (A. Appadurai fez uso do termo “Compulsory Cosmopolitism”), e de negociações em «pequena escala».
A nossa vivência diária, e/ou quotidiana é imbuída de conversações e negociações, o diálogo é constante e portanto a negociação com o «outro» nunca deixa de estar presente e se efectuar. Por exemplo, no caso, de um imigrante, esta característica cosmopolita não é escolhida, ela constrói-se, decorre, é resultado da própria interacção cultural, em que os indivíduos são impelidos ao diálogo, como A. Appadurai menciona: “These are the people that move the world”. Estamos no domínio do real, ou melhor do objectivo, dado que é no dia-a-dia que dialogamos, que nos colocamos em relação aos outros e com os outros, transformamo-nos também nos outros. Sustenta-se desta forma que «negociações de grande escala» marcadas pelo abstracto e pela subjectividade podem beneficiar destas negociações de «pequena escala». A ética passa a ser transportada da base societal (cidadãos) para a esfera institucional e transnacional em que se praticam diálogos e negociações de «grande escala». Uma última questão aqui implícita é que estas negociações de grande escala têm repercussões no que diz respeito ao futuro, onde se determinam mecanismos e estratégias das quais a cultura não está excluída ou imune. O «futuro» também é apropriado, e equacionado culturalmente, e sendo assim, como convergem ou se distanciam a criatividade, a performance e a sua expressão? Que diálogos existem nesta diversidade, em que também o futuro é embutido de uma dimensão subjectiva e/ou abstracta e simultaneamente alvo de medidas objectivas e praxistas? Mais um reflexo do mundo de contraditórios em que a «globalização» expande os seus tentáculos e nos impele como cidadãos do mundo a reflectir sobre os efeitos produzidos em várias frentes e esferas, mas acima de tudo nos convida a partir de nós próprios e reflectir sobre o nosso papel na qualidade de humano e cidadão consciente e reflexivo.

Joana Santos

Filipe M. Reis disse...

Comentário sobre a Conferência na Gulbenkian em que participou o Professor Arjun Appadurai enviado por Mário Margarido:

Embora tenha falado durante pouco tempo, cerca de meia hora, o professor Appadurai a meu ver foi bastante elucidativo na sua intervenção. Esta consistiu basicamente em dois conceitos: o de diálogo e o de cosmopolitismo.
No que diz respeito ao diálogo, ou seja, diálogo intercultural, o professor Appadurai, referiu os seus riscos. Este não pode ser nem casual nem secundário. Pode ser uma troca de ideias oca, caso não existe compreensão pelas partes envolventes. Mas um outro risco, de igual importância, é o risco de excesso de compreensão. Este é um risco pois o outro pode compreender para além daquilo que lhe queremos evidenciar. Assim sendo, terá que haver negociações, ou seja, formas de chegarmos a consensos nestes diálogos pois não pode haver incompreensão nem total compreensão. Essa negociação não só ocorre com quem é interpelado mas também connosco próprios. Isto é assim pois os governos nacionais são quem costuma falar em nome dos povos que representam.
Mas também no aspecto da negociação terá que se dizer que estas não podem nem ser superficiais nem demasiados profundas. Se forem superficiais não ocorre nenhuma transformação e se forem demasiados profundas estas podem tocar em assuntos demasiado delicados como é o caso da religião.
No que diz respeito ao cosmopolitismo, o professor Appadurai referiu que o conceito é sobre as formas de nos tornarmos mais conscientes em relação ao outro, ou seja, que tenhamos uma maior compreensão do outro. Mas há que dizer que existem formas de cosmopolitismo obrigatórias como quando pessoas são obrigadas, por assim dizer, a emigrar para assim melhorar as suas condições de vida ou até nos casos de tráfico humano. E este é um tipo de cosmopolitismo que devemos extinguir.

Mário Margarido

Fernando André Rosa disse...

Interesou-me bastante focar na parte do acordo que se pode estabelecer. O acordo , tendo em vista contornar os riscos do diálogo. Ou seja nao é possivel haver diversidade sem que existam diferenças, e essas diferenças, terão de respeitadas, é ai que se encontra o meio termo. Partindo do dialogo interno, ultrapassando a questão do choque, e agenda-la nos debates externos. Tendo a consciencia de quem somos, e de quem são os outros, respeitando e fazendo-se respeitar, é possivel haver um diálogo que resulte numa comprenção mutua. Agora defenir os limites deste diálogo, para que ele possa ser produtivo, passará por saber saber onde começa e onde acaba, e partir da ajuda e compreenção mútua de todos os interlucotores.

Fernando Rosa